Refletindo o Evangelho do Domingo
VIGÉSIMO DOMINGO COMUM - Ano C
Lucas 12, 49-53
Oração do dia
Ó Deus, preparastes para quem vos ama bens que nossos olhos não podem
ver; acendei em nossos corações a chama da caridade para que, amando-vos em tudo
e acima de tudo, corramos ao encontro das vossas promessas, que superam todo desejo.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
Evangelho (Lucas 12,49-53)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas.
Naquele tempo,
disse Jesus 12,49 “Fogo eu vim lançar sobre a terra, e como gostaria
que já estivesse aceso! 50 Um batismo eu devo receber, e como estou ansioso
até que isto se cumpra! 51 Pensais que eu vim trazer a paz à terra? Pelo
contrário, eu vos digo, vim trazer a divisão. 52 Pois daqui em diante,
numa família de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e duas contra
três; 53 ficarão divididos: pai contra filho e filho contra pai; mãe
contra filha e filha contra mãe; sogra conta nora e nora contra sogra”.
Palavra da salvação.
COMENTÁRIO
Os “ditos” que o
Evangelho de hoje nos apresenta são dos textos mais obscuros e difíceis de
interpretar de todo o Novo Testamento. Particular dificuldade oferece o vers.
49, formado com palavras estranhas ao vocabulário de Lucas. Poderia ser um
“dito” independente, recolhido por Lucas… Desconhecendo-se o contexto primitivo
deste “dito” e as circunstâncias em que Jesus o pronunciou, é impossível
determinar o seu significado e saber qual o “fogo” de que Jesus falava.
De qualquer forma,
Lucas apresenta este material no contexto do “caminho para Jerusalém” – esse caminho
que conduz Jesus ao dom total da vida. No horizonte próximo está, cada vez
mais, o confronto final com a instituição judaica e a morte na cruz. Na
perspectiva de Lucas, estes “ditos” fazem parte da catequese que prepara os
discípulos para entender a missão de Jesus, a radicalidade do “Reino” e as
exigências que daí brotam para quem adere às propostas de Jesus.
MENSAGEM
A caminho de
Jerusalém e da cruz, Jesus dá aos discípulos algumas indicações para entender a
missão que o Pai Lhe confiou (missão que os discípulos devem, aliás, continuar
nos mesmos moldes). O texto divide-se em duas partes:
Na primeira parte
(vers. 49-50), entrelaçam-se os temas do fogo e do batismo. Jesus começa por
dizer que veio trazer o fogo à terra. Que quer isto dizer?
O “fogo” possui um
significado simbólico complexo… No Antigo Testamento começa por ser um elemento
teofânico (cf. Ex 3,2; 19,18; Dt 4,12; 5,4.22.23; 2 Re 2,11), usado para
representar a santidade divina. A manifestação do divino provoca no homem,
simultaneamente, atração e temor; ora, explorando a relação entre o fogo e o
temor que Deus inspira, a catequese de Israel vai fazer do fogo um símbolo da
intransigência de Deus em relação ao pecado… Por isso, os profetas usam a
imagem do fogo para anunciar e descrever a ira de Deus (cf. Am 1,4; 2,5). O
fogo aparece, assim, como imagem privilegiada para pintar o quadro do castigo
das nações pecadoras (cf. Is 30,27.30.33) e do próprio Israel. No entanto, ao
mesmo tempo que castiga, o fogo também faz desaparecer o pecado (cf. Is
9,17-18; Jer 15,14; 17,4.27): o fogo aparece, assim, como elemento de
purificação e transformação (cf. Is 6,6; Ben Sira 2,5; Dan 3). Na literatura
apocalíptica, o fogo é a imagem do juízo escatológico (Is 66,15-16): o “dia de
Jahwéh” é como o fogo do fundidor (cf. Mal 3,2); será um dia, ardente como uma
fornalha, em que os arrogantes e os maus arderão como palha (cf. Mal 3,19) e em
que a terra inteira será devorada pelo fogo do zelo de Deus (cf. Sof 1,18;
3,8). Desse fogo devorador do pecado, purificador e transformador, nascerá o
mundo novo, sem pecado, de justiça e de paz sem fim.
O símbolo do fogo,
posto na boca de Jesus, deve ser entendido neste enquadramento. Jesus veio
revelar aos homens a santidade de Deus; a sua proposta destina-se a destruir o egoísmo,
a injustiça, a opressão que desfeiam o mundo, a fim de que surja, das cinzas
desse mundo velho, o mundo novo de amor, de partilha, de fraternidade, de
justiça. Como é que isso vai acontecer? Através da Palavra e da ação de Jesus,
certamente; mas Lucas estará, especialmente a pensar no Espírito enviado por
Jesus aos discípulos – e que Lucas vai, aliás, representar através da imagem
das línguas de fogo.
Quanto à imagem do batismo:
ela refere-se, certamente, à morte de Jesus (cf. Mc
10,38, onde Jesus
pergunta a João e Tiago se estão dispostos a beber do cálice que Ele vai beber
e a receber o batismo que Ele vai receber). Para que o “fogo” transformador e
purificador se manifeste, é necessário que Jesus faça da sua vida um dom de
amor, até à cruz. Só então nascerá o mundo novo.
Na segunda parte
(vers. 51-53), Jesus confessa que não veio trazer a paz, mas a divisão. Lucas
deixou expresso, frequentemente, que “a paz” é um dom messiânico (cf. Lc
2,14.29; 7,50; 8,48; 10,5-6; 11,21; 19,38.42; 24,36) e que a função do Messias
será guiar os passos dos homens “no caminho da paz” (Lc 1,79). Que sentido
fará, agora, dizer que Jesus não veio trazer a paz, mas a divisão?
O “dito” faz,
certamente, referência às reações à pessoa de Jesus e à proposta que Ele oferece.
A proposta de Jesus é questionante, interpeladora, e não deixa os homens
indiferentes. Alguns acolhem-na positivamente; outros rejeitam-na. Alguns vêem
nela uma proposta de libertação; outros não estão interessados nem em Jesus nem
nos valores que Ele propõe… Como consequência, haverá divisão e desavença, às
vezes mesmo dentro da própria família, a propósito das opções que cada um faz
face a Jesus. Este quadro devia refletir uma realidade que a comunidade de
Lucas conhecia bem…
Jesus veio trazer a
paz, mas a paz que é vida plena vivida com exigência e coerência; essa paz não
se faz com “meias tintas”, com meias verdades, com jogos de equilíbrio que não
chateiam ninguém, mas também não transformam nada. A proposta de Jesus é
exigente e radical; assim, não pode deixar de criar divisão.
ATUALIZAÇÃO
Refletir a partir
das seguintes questões:
¨ O Evangelho
mostra que o objetivo de Jesus não passava por conservar intacto o que já
existia, pactuando com essa paz podre que não questiona o mal, a injustiça, a
escravidão; mas o objetivo de Jesus passava por “incendiar o mundo”, pondo em
causa tudo aquilo que escraviza o homem e o priva de vida. Como é que eu me
situo face a tudo aquilo que põe em causa o projeto de Deus para o mundo? Como
é que eu me situo face a tudo aquilo que cria opressão, injustiça, medo e
morte? Com o conformismo e a indiferença de quem, acima de tudo, não está para
se chatear com coisas que não lhe dizem diretamente respeito, ou com a coragem
e o empenho de quem se sente profeta e enviado de Deus a construir o novo céu e
a nova terra?
¨ O “fogo” que
Jesus veio atear – fogo purificador e transformador – já atingiu o meu coração
e já transformou a minha vida? Animado pelo Espírito de Jesus ressuscitado, eu
já renunciei, de verdade, à vida de egoísmo, de fechamento em mim próprio, de
comodismo, para fazer da minha vida um compromisso com o “Reino”, se necessário
até ao dom da vida?
¨ A proposta de
Jesus não passa pela manutenção de uma paz podre, que não questiona nem
incomoda ninguém, mas por opções radicais, que interpelam e que obrigam a
decisões arriscadas. No entanto, a Igreja de Jesus aceita muitas vezes abençoar
as ideologias que escravizam e oprimem, para manter uma certa paz social (a paz
dos cemitérios?), para “defender a civilização cristã” (como se pudessem ser
cristãos aqueles que constroem máquinas de injustiça e de morte) ou para manter
determinados privilégios. Quando isto acontece (e tão acontecido demasiadas
vezes, ao longo da história), a Igreja estará a ser fiel a esse Jesus, que veio
lançar o fogo à terra e que não veio trazer a paz, mas a divisão?
ALGUMAS SUGESTÕES
PRÁTICAS PARA O 20º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de
“Signes d’aujourd’hui”)
A PALAVRA MEDITADA
AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias
da semana anterior ao 20º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de
Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por
exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num
grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa
comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a
Palavra de Deus.
BILHETE DE
EVANGELHO.
Jesus era um
apaixonado de Deus, seu Pai, e dos homens, seus irmãos. Como qualquer
apaixonado, vem abrasar os que estão à sua volta com o fogo da sua paixão: as
suas palavras aquecem, os seus gestos queimam, o seu projeto de mundo novo
destrói o mundo antigo. Então, Ele gostaria tudo se iluminasse, que tudo se
abrasasse, que tudo aquecesse. Porém, Ele encontra o tédio; alguns gostariam de
apagar este fogo mesmo antes de ser acendido. O batismo de que fala é a sua
Passagem, a sua Páscoa, este momento em que dará a maior prova do seu amor.
Alguns gostariam de O impedir de falar ou de agir, mas Ele prosseguirá o seu
caminho, este caminho que o levará ao calvário. Então, compreendemos quanto lhe
custa esperar para dizer e manifestar até onde pode ir o Amor de Deus pela
humanidade…
ESCUTA DA PALAVRA.
Como é estranho este Jesus, cuja missão consiste em fazer
a paz e em reconciliar os homens com Deus e entre eles, este Jesus que dirá aos
seus apóstolos “deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz” e que, aparecendo aos
seus discípulos na tarde de Páscoa, dir-lhes-á: “Paz para todos”. E eis que
hoje Ele declara: “Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra? Não. Eu vos
digo que vim trazer a divisão”. Reconheçamos, primeiro, que Jesus não pensava
necessariamente segundo a lógica cartesiana. A sua mentalidade semítica
ignorava certas “nuances”, não tinha receio daquilo que nós chamamos
contradições. Na realidade, tal maneira de falar obriga-nos a ultrapassar as
aparentes contradições, a encontrar o “ponto nodal” do nosso pensamento.
Segundo os homens, a paz pode ser um equilíbrio do medo, ou uma ordem que o
mais forte impõe ao mais fraco (“pax romana”, imposta pelas armas romanas), ou
ainda a paz dos cemitérios. Ela pode ser também a obra da justiça e esta paz já
é bem mais difícil de realizar. Quando fala de paz, Jesus precisa que não é a
paz como a compreendemos muitas vezes. A sua paz, não a dá como o mundo a dá.
Ultrapassa os critérios humanos. A sua paz é, a realidade, o fruto do amor, mas
de um amor desconcertante pelas suas exigências: “amai os vossos inimigos”. O
amor que Jesus nos veio revelar e dar é o amor do Pai. Na medida em que
aceitamos ir até aí, podemos entrever a paz segundo Jesus. Dito de outro modo,
diante de Jesus, é preciso escolher: ou acolher o seu amor que faz saltar todas
as nossas estreitezas, ou fecharmo-nos em nós mesmos pelo egoísmo ou pela
indiferença. Na realidade, Jesus vem pôr a nu o nosso coração. Escolher por ou
contra Jesus: inevitavelmente, surgirão conflitos. O fogo que Jesus traz à
terra é o fogo do amor que desmascara as nossas recusas e, ao mesmo tempo, as
purifica.
(Portal dos Dehonianos)
Salmo 39/40
Socorrei-me, ó Senhor,
vinde logo em meu auxílio!
Esperando, esperei no Senhor,
E, inclinando-se, ouviu meu clamor.
Socorrei-me, ó Senhor,
vinde logo em meu auxílio!
Retirou-me da cova da morte
E de um charco de lodo e de lama.
Colocou os meus pés sobre a rocha,
Devolveu a firmeza a meus passos.
Socorrei-me, ó Senhor,
vinde logo em meu auxílio!
Canto novo ele pôs em meus lábios,
Um poema em louvor ao Senhor.
Muitos vejam, respeitem, adorem
E esperem em Deus, confiantes.
Socorrei-me, ó Senhor,
vinde logo em meu auxílio!
Eu sou pobre, infeliz, desvalido,
Porém guarda o Senhor a minha vida
E por mim se desdobra em carinho.
Vós me sois salvação e auxílio:
Vinde logo, Senhor,
não tardeis!
Socorrei-me, ó Senhor,
vinde logo em meu auxílio!
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