Refletindo o Evangelho do Domingo
Pe. Thomaz Hughes, SVD
VIGÉSIMO TERCEIRO DOMINGO COMUM - Ano C
Lucas 14,25-33
Oração
do dia
Ó Deus,
Pai de bondade, que nos redimistes e adotastes como filhos e filhas, concedei
aos que crêem em Cristo a verdadeira liberdade e a herança eterna. Por Nosso
Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
EVANGELHO
(Lucas 14,25-33)
Proclamação
do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas. Naquele
tempo, 14,25 Muito povo
acompanhava Jesus. Voltando-se, disse-lhes:
26 "Se alguém vem
a mim e não odeia seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus irmãos, suas
irmãs e até a sua própria vida, não pode ser meu discípulo.
27 E
quem não carrega a sua cruz e me segue, não pode ser meu discípulo.
28
Quem de vós, querendo fazer uma construção, antes não se senta para calcular os
gastos que são necessários, a fim de ver se tem com que acabá-la?
29
Para que, depois que tiver lançado os alicerces e não puder acabá-la, todos os
que o virem não comecem a zombar dele,
30 dizendo: 'Este homem
principiou a edificar, mas não pode terminar'".
- Palavra da Salvação.
COMENTÁRIO
Aprofundando o ensinamento sobre o
discipulado, Jesus aqui expõe as condições para um verdadeiro seguimento. À
primeira vista, a leitura pode nos chocar! Pode até parecer que Jesus esteja
ensinando algo que não condiz muito com os ensinamentos cristãos. Isso
especialmente se a tradução da nossa bíblia fala que nós devemos “odiar” os
nossos pais e família (uma tradução literalmente correta). Mas aqui estamos novamente
diante do problema das culturas e das línguas. Pois, esse texto nos traz um
“semitismo”, ou seja, uma expressão de uma língua semita (no caso de Jesus, o
aramaico, embora Lucas escreva em grego) que tem que ser interpretada no
contexto da cultura que aquela língua expressa. O aramaico e o hebraico usavam
muitas expressões assim, que não tinham a mesma força que têm em português.
Realmente o termo traduzido por “odiar” significava “desapegar-se”. Então
podemos traduzir em termos inteligíveis portugueses: “Se alguém vem a mim, e
não dá preferência mais a mim do que ao seu pai, à sua mãe, à mulher, aos
filhos, aos irmãos, às irmãs, e até mesmo à sua própria vida, esse não pode ser
meu discípulo” (v. 26).
Jesus quer deixar bem claro - como ele faz
muitas vezes “na caminhada” - que a opção pelo Reino necessariamente exige
renúncias. Não só renúncia do mal e do pecado, mas renúncia de coisas altamente
positivas em si; não renúncia por renunciar, mas em vista de um bem maior - o
Reino de Deus, o único bem que pode satisfazer plenamente os anseios mais
profundos do coração humano. Por isso, a vinda de Jesus pode ser vista como a
crise escatalógica última - pois põe todos nós diante da opção mais fundamental
- quais são os valores reais da nossa vida?
No mundo pós-moderno, onde se foge dos
compromissos permanentes, onde tudo é relativizado, os desejos individuais são
absolutizados, e a subjetividade se confunde com o individualismo, esta
proposta soa como contra-cultural. Pois Jesus nos convida a definir os valores
mais profundos da nossa vida - e insiste que nada, por mais valioso que seja,
possa ser mais importante do que a dedicação total ao Reino. Claro, ele não
obriga - estamos livres para recusar esta exigência, mas então não seremos
discípulos d’Ele! Aqui põe em cheque a vivência do cristão que “não é frio nem
quente, mas morno”, e por isso mesmo “está para ser vomitado da minha boca” (Ap
3,16).
O tema da cruz reaparece aqui - e de novo
lembramos que “carregar a cruz” não é de maneira alguma simplesmente “sofrer”.
É a consequência de uma coerência com o projeto e a proposta de vida de Jesus.
É condição imprescindível para quem quer ser discípulo d’Ele: “Quem não carrega
sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo” (v 27).
Podemos dizer que, se o trecho que precede este texto (vv 15-24, “Um rei fez um
grande banquete”) enfatiza a gratuidade do chamamento da parte de Deus, esses
versículos salientam o outro lado da medalha - a resposta incondicional dos
discípulos. Todo o Evangelho de Lucas - como também os outros - deixa bem claro
que esta resposta é a meta da nossa vida. Ninguém começa a caminhada com total
dedicação ao Reino - mesmo que pense que faz! É na caminhada de anos, com as
nossas incoerências, tropeços, erros, e traições, que a gente aprende a ser
discípulo/a. A experiência de Pedro e dos Doze que nos diga!
As duas parábolas seguintes - a do
construtor tolo e do rei que vai à guerra - nos ensinam a necessidade de
reflexão antes da ação. Ou seja, aqueles que querem seguir Jesus devem refletir
sobre o preço a pagar. A situação triste do construtor falido e do rei
derrotado são símbolos da situação do discípulo que desistiu “pelo caminho”.
A reflexão sobre as exigências do
discipulado pode nos desanimar diante da realidade das nossas fraquezas, a não
ser que reflitamos também sobre a gratuidade de Deus que não nos abandona, mas
nos ama como somos e nos dará forças para a caminhada. Assim foi a experiência
do grande discípulo Paulo, que após longos anos de experiência, incluindo as
maiores experiências místicas e os maiores sofrimentos, pôde afirmar com toda a
sinceridade: “Eu não consigo entender nem mesmo o que faço; pois não faço
aquilo que eu quero, mas aquilo que mais detesto... Não faço o bem que quero, e
sim o mal que não quero” (Rm 7, 15s). Mas, mesmo assim, reconhecendo os
fracassos e falhas na sua caminhada de discípulo, exclama com alegria:
“Portanto com muito gosto, prefiro gabar-me das minhas fraquezas, para que a
força de Cristo habite em mim. É por isso que eu me alegro nas fraquezas,
humilhações, necessidades perseguições e angústias, por causa de Cristo. Pois
quando sou fraco, então é que sou forte (2Cor 12, 9s).
Pois, se ele fez a experiência das
exigências inerentes ao seguimento de Jesus, ele também fez a experiência da
graça de Deus: “Para você, basta a minha graça, pois é na fraqueza que a força
manifesta o seu poder” (2 Cor 12,9).
Não tenhamos medo de assumir o desafio que
Jesus hoje nos lança, pois ele nos dará a graça necessária para a caminhada.
Basta querer e pedir!
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