Refletindo o Evangelho do Domingo
Pe. Thomaz Hughes, SVD
TRIGÉSIMO DOMINGO COMUM - Ano C
Lucas 18,9-14
Oração do dia
Deus eterno e todo-poderoso,
aumentai em nós a fé, a esperança e a caridade e dai-nos amar o que ordenais
para conseguirmos o que prometeis. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho,
na unidade do Espírito Santo.
EVANGELHO (Lucas 18,9-14)
Proclamação
do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas.
Naquele tempo, 18,9 Jesus contou esta parábola para alguns que confiavam na sua própria
justiçae desprezavam os outros:
10 'Dois homens subiram
ao Templo para rezar: um era fariseu, o outro cobrador de impostos. 11O
fariseu, de pé, rezava assim em seu íntimo: 'Ó Deus, eu te agradeço porque não
sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este
cobrador de impostos. 12Eu jejuo duas vezes por semana, e dou o dízimo
de toda a minha renda'. 13O cobrador de impostos, porém, ficou à
distância, e nem se atrevia a levantar os olhos para o céu; mas batia no peito,
dizendo: `Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!' 14Eu vos
digo: este último voltou para casa justificado, o outro não. Pois quem se eleva
será humilhado, e quem se humilha será elevado'.
- Palavra da Salvação. COMENTÁRIO
O tema da oração continua no
trecho de hoje - Jesus mostra que não basta somente rezar, pois muito depende
das nossas atitudes enquanto rezamos. Por isso, ele nos conta mais uma parábola
que só Lucas relata - a do “Fariseu e do Publicano”.
Para entender bem esta passagem,
é imprescindível que nós entendamos o significado dos termos “Fariseu” e
“Publicano”. Os fariseus formavam um partido religioso-político, nascido dos
“fiéis observadores da Lei”, ou “Hasidim” dos tempos da revolução dos Macabeus.
Eles romperam com as ambições políticas dos Hasmoneus (dinastia dos Macabeus) e
formaram o seu grupo dos “separados”, que parece ser o sentido da palavra “Fariseu”.
Eles primaram pela observância rigorosa da Lei, embora entre eles existissem
diversas escolas de interpretação.
Em nossa linguagem, a palavra
“fariseu” normalmente significa “hipócrita” - uma injustiça aos fariseus, que
eram, na maioria absoluta, gente sincera de uma ascese rigorosa em busca da
fidelidade à Lei de Deus. Provavelmente estamos muito influenciados pelo
Capítulo 23 de Mateus, uma das páginas mais virulentas do Novo Testamento, que
reflete mais a situação de perseguição dos cristãos pelos fariseus pelo ano 85,
do que a situação no tempo de Jesus. A grande crítica de Jesus contra este
grupo não era por motivos de moral, mas porque, confiando na observação externa
da Lei como garantia de salvação, tiraram a gratuidade de Deus, que nos salva
“de graça”.
Enquanto os fariseus gozavam de
enorme prestígio diante do povo no tempo de Jesus, do outro lado um dos grupos
mais odiados e desprezados era o dos “cobradores de impostos”, ou “publicanos”
(assim chamados porque cobravam um imposto denominado “publicum”, um tipo de
ICMS). Esse ódio não nasceu simplesmente da resistência natural do povo contra
a cobrança de impostos e taxas, mas do fato que eles trabalhavam pelo poder
opressor - os Romanos, através dos seus lacaios, os Herodianos. Os publicanos
estavam entre os mais “impuros”, considerados exploradores do seu próprio povo
em favor dos opressores. Por isso,
eles eram contados entre os mais odiados e desprezados da sociedade judaica.
Como aconteceu no início do
capítulo 15, aqui também Lucas destaca o motivo da parábola: “Para alguns que
confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros, Jesus contou esta
parábola” (v. 9).
É interessante verificar os dois
tipos de oração! O Fariseu elenca todas as suas observâncias, tudo que ele faz,
conforme manda o a Lei! Ele não mente - ele faz isso mesmo. Só que ele confia
absolutamente no poder da sua prática para garantir a salvação. Assim dispensa
a graça de Deus, pois se a Lei é capaz de salvar, não precisamos da graça!
Ainda se dá o luxo de desprezar os que não viviam como ele - ou porque não
queriam, ou porque não conseguiam: “Ó Deus, eu te agradeço, porque não sou como
os outros homens, que são ladrões, desonestos, adúlteros, nem como esse
cobrador de impostos.” (v. 11)
O publicano também não mente
quando reza! Longe do altar, nem se atrevia a levantar os olhos para o céu, mas
batia no peito em sinal de arrependimento de dizia: “Meu Deus, tem piedade de
mim que sou pecador” (v. 13). É importante notar exatamente o que reza – ele
não diz “eu pequei”, mas algo muito mais profundo – “eu sou pecador”. “Pecar” é um ato, “ser pecador”é um
estado de ser! E era a verdade - ele era vigarista, ladrão opressor do seu
povo, traidor da sua raça - mas ele tem consciência disso, e não só disso, mas do fato de que por si
mesmo ele é incapaz de mudar a sua situação moral. A sua única esperança é
jogar-se diante da misericórdia de Deus. Para o espanto dos seus ouvintes,
Jesus afirma que o desprezado publicano voltou para a casa “justificado” (=
tornado justo) por Deus, e não o outro; pois, é Deus que nos torna justos por
pura gratuidade, e não em recompensa por termos observado as minúcias de uma
Lei.
Como entrou o farisaísmo de cheio
nas nossas tradições de espiritualidade! Como as nossas pregações reduziam a fé
e o seguimento de Jesus a uma observância externa de uma lista de Leis! Como
reduzimos Deus a um mero “banqueiro” que no fim da vida faz as contas e nos dá
o que nós “merecemos”, de acordo com uma teologia de retribuição! Quem tem
conta em haver com Ele, ganhará o céu, e quem estiver em dívida, irá para o
inferno! Onde fica a graça de Deus, e a cruz de Cristo? Paulo mudou de vida
quando descobriu que a Lei, por tão importante que fosse como “pedagogo”, não
era capaz de salvar, mas que é Deus que nos salva, sem mérito algum nosso,
através de Jesus Cristo! Com esta descoberta, se libertou! Defendia este seu
“evangelho”, conforme Gálatas 1, a ferro e fogo!
O texto de hoje nos convida para
que examinemos até que ponto deixamos o farisaísmo entrar em nossa vida; até
que ponto confiamos em nós mesmos como agentes da nossa salvação; até que ponto
nos damos o direito de julgar os outros, conforme os nossos critérios. Uma
advertência saudável e oportuna que alerta contra uma mentalidade “elitista” e
“excludente”, que pode insinuar-se na nossa espiritualidade, como fez na dos
fariseus, sem que tomemos consciência disso!