Pe. Thomaz Hughes, SVD
PENTECOSTES - ANO C
At 2, 1-11
“Todos ficaram
repletos do Espírito Santo”
Oração do dia
Ó Deus, que, pelo
mistério da festa de hoje, santificais a vossa Igreja inteira, em todos os povos
e nações, derramai por toda a extensão do mundo os dons do Espírito Santo e realizai
agora, no coração dos fiéis, as maravilhas que operastes no início da pregação do
Evangelho. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
Primeira Leitura - Atos dos Apóstolos 2,1-11
2,1 Chegando o dia de Pentecostes,
estavam todos reunidos no mesmo lugar.
2 De repente, veio do céu um
ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados.
3 Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo que se repartiram
e pousaram sobre cada um deles.
4 Ficaram todos cheios do Espírito Santo
e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem.
5 Achavam-se então em Jerusalém judeus piedosos de todas as nações que
há debaixo do céu.
6 Ouvindo aquele ruído, reuniu-se muita gente e maravilhava-se
de que cada um os ouvia falar na sua própria língua.
7 Profundamente
impressionados, manifestavam a sua admiração: "Não são, porventura, galileus
todos estes que falam?
8 Como então todos nós os ouvimos falar, cada
um em nossa própria língua materna?
9 Partos, medos, elamitas; os que
habitam a Macedônia, a Judéia, a Capadócia, o Ponto, a Ásia,
10 a Frígia,
a Panfília, o Egito e as províncias da Líbia próximas a Cirene; peregrinos romanos,
11 judeus ou prosélitos, cretenses e árabes; ouvimo-los publicar em
nossas línguas as maravilhas de Deus!"
– Palavra do Senhor.
EVANGELHO (João 20,19-23)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João. 20,19 Na
tarde do mesmo dia, que era o primeiro da semana, os discípulos tinham fechado as
portas do lugar onde se achavam, por medo dos judeus. Jesus veio e pôs-se no meio
deles. Disse-lhes ele: "A paz esteja convosco!"
20 Dito isso,
mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se ao ver o Senhor.
21
Disse-lhes outra vez: "A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, assim também
eu vos envio a vós".
22 Depois dessas palavras, soprou sobre eles
dizendo-lhes: "Recebei o Espírito Santo.
23 Àqueles a quem perdoardes
os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos".
– Palavra da Salvação.
COMENTÁRIO
A
liturgia de hoje nos descreve a descida do Espírito Santo sobre a comunidade
dos discípulos, em duas tradições - a de Lucas (Atos) e da Comunidade do Discípulo
Amado (João 20). Salta aos olhos que uma leitura fundamentalista da bíblia -
infelizmente ainda muito comum entre nós - leva a gente a um beco sem saída,
pois no Evangelho de João a Ressurreição, a Ascensão e a descida do Espírito se
deram no mesmo dia (Páscoa), enquanto Lucas separa os três eventos, em um período
de cinquenta dias. Por isso, devemos ler os textos dentro dos interesses teológicos
dos diversos autores - os 40 dias de Lucas, por exemplo, entre a Ressurreição e
a Ascensão, correspondem aos 40 dias da preparação de Jesus no deserto, para a
sua missão. Pois, como Jesus ficou “repleto do Espírito Santo” (Lc 4, 1) e se
lançou na sua missão “com a força do Espírito” (Lc 4, 14), a comunidade cristã
se preparou durante o mesmo período, e na festa judaica de Pentecostes também
experimentou que “todos ficaram repletos do Espírito Santo” (At 2, 4).
Uma
leitura superficial do texto de Atos dá a impressão de um relato uniforme e
coeso - mas, isso se deve à habilidade literária do autor. Na verdade, ele
costurou um relato só, tecendo elementos de duas tradições. Uma leitura
cuidadosa nos mostra essas duas tradições: a primeira está nos vv. 1-4, uma
tradição mais antiga e apocalíptica; a segunda está nos vv. 5-11, mais profética
e missionária.
Nos
primeiros versículos, estamos no ambiente de uma casa, onde os discípulos se
reuniram. Atos nos faz lembrar que estavam reunidos três grupos distintos: os
Onze; as mulheres, entre as quais Maria a mãe de Jesus; e, os irmãos do Senhor.
Embora talvez representem três tradições cristológicas diferentes no tempo de
Lucas, ele faz questão de enfatizar que todos estavam reunidos com “os mesmos
sentimentos, e eram assíduos na oração” (At 1, 14). Quer dizer, a descida do
Espírito não é algo mágico; mas, consequência da unidade na fé e no seguimento
do projeto de Jesus.
O
primeiro relato (vv. 1-4) usa imagens apocalípticas, símbolos da teofania, ou
da manifestação da presença de Deus - o som de um vendaval e as línguas de
fogo. A expressão externa da descida do Espírito é o “falar em outras línguas”
(não o “falar em línguas”- glossolalia - tão valorizado por muitos grupos de
cunho neo-pentecostal).
A
segunda tradição muda o enfoque. O ambiente muda da casa para um lugar público
- provavelmente o pátio do Templo. O sinal visível da presença do Espírito não é
mais o falar em outras línguas, mas o fato que todos os presentes pudessem “ouvir,
na sua própria língua, os discípulos falarem” (At 1, 6). O termo “ouvir” aqui
implica também “compreender”. Três vezes o relato destaca o fato dos presentes
poderem “ouvir” na sua própria língua (vv. 6.8.11). Assim, Lucas quer enfatizar
que o dom do Espírito Santo tem um objetivo missionário e profético - de fazer
com que toda a humanidade possa ouvir e compreender a nova linguagem, que une
todas as raças e culturas - ou seja, a do amor, da solidariedade, do projeto de
Jesus, do Reino de Deus.
A
lista dos presentes tem um sentido especial - estão mencionadas raças, áreas
geográficas, culturas e religiões. Todos ouvem as maravilhas do Senhor. Assim
Lucas ensina que a aceitação do Evangelho não exige o abandono da identidade
cultural. Contesta a dominação cultural, ou seja, a identificação do Evangelho
com uma cultura específica. Durante séculos, esse fato foi esquecido nas Igrejas,
e identificava-se o Evangelho com a sua expressão cultural europeia. Nos últimos
anos, a Igreja tem insistido muito na necessidade da “inculturação”, de
anunciar e vivenciar a mensagem de Jesus dentro das expressões culturais das
diversas raças e etnias. O texto é uma releitura da Torre de Babel, onde a língua
única era o instrumento de um projeto de dominação (uma torre até o céu) que
foi destruído por Deus pela diversidade de línguas. Nenhuma cultura ou etnia
pode identificar o evangelho com a sua expressão cultural dele.
Hoje
é uma grande festa missionária. Marca a transformação da Igreja de uma seita
judaica em uma comunidade universal, missionária, mas, não proselitista,
comprometida com a construção do Reino de Deus “até os confins da terra”. Lucas
insiste que a experiência de Pentecostes não se limita a um evento - é uma
experiência contínua - por isso relata novas descidas do Espírito Santo: em uma
comunidade em oração em uma casa (At 4, 31), sobre os samaritanos (At 8, 17), e
para o espanto dos judeu-cristãos ortodoxos, sobre os pagãos na casa do Cornélio
(At 10, 4). Pois, o Espírito Santo sopra onde quer, sobre quem quer, em favor
do Reino de Deus.
Aprendamos do texto de Atos, e celebremos a nossa
vocação missionária, não a de falar em línguas, mas de falar a língua única do
amor e do compromisso com o Reino, para que a mensagem do Evangelho penetre
todos os povos, culturas, raças e etnias.
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