Refletindo o Evangelho do Domingo
Pe. Thomaz Hughes, SVD
DÉCIMO SEGUNDO DOMINGO COMUM - Ano C
Lucas 9, 18-24
“Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz
e me siga”
Oração do dia
Senhor, nosso
Deus, dai-nos por toda a vida a graça de vos amar e temer, pois nunca cessais
de conduzir os que firmais no vosso amor. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso
Filho, na unidade do Espírito Santo.
EVANGELHO
(Lucas 9,18-24)
Proclamação
do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas.
Certo dia, 9,18 Jesus estava a rezar a sós
com os discípulos, perguntou-lhes: "Quem dizem que eu sou?"
19
Responderam-lhe: "Uns dizem que és João Batista; outros, Elias; outros
pensam que ressuscitou algum dos antigos profetas".
20
Perguntou-lhes, então: "E vós, quem dizeis que eu sou?" Pedro
respondeu: "O Cristo de Deus".
21 Ordenou-lhes
energicamente que não o dissessem a ninguém.
22 Ele acrescentou:
"É necessário que o Filho do Homem padeça muitas coisas, seja rejeitado
pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas. É necessário
que seja levado à morte e que ressuscite ao terceiro dia".
23
Em seguida, dirigiu-se a todos: "Se alguém quer vir após mim, renegue-se a
si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me.
24 Porque, quem
quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem sacrificar a sua vida por amor
de mim, salvá-la-á".
- Palavra da Salvação.
COMENTÁRIO
Aqui temos a versão lucana (Lucas) da profissão de fé de Pedro, que Marcos põe no caminho de Cesaréia de Filipe (Mc 8, 27-35) e coloca como pivô de todo o seu evangelho. Este trecho levanta as duas perguntas fundamentais de todos os evangelhos:
- quem é Jesus?
- o que é ser discípulo d’Ele?
São duas perguntas interligadas, pois a segunda resposta depende
muito da primeira. A minha visão de Jesus determina a maneira do meu seguimento
d’Ele.
O Evangelho de Lucas situa o texto
em um contexto diferente dos outros dois Evangelhos Sinóticos - diz que Jesus
“estava rezando em um lugar retirado, e os discípulos estavam com ele”,
enquanto em Marcos e Mateus o evento se dá na estrada de Cesaréia de Filipe.
Uma atitude típica de Jesus em Lucas. Muitas vezes no Terceiro Evangelho,
especialmente antes de momentos importantes na sua vida, Jesus se acha em
oração. Pois Ele não faz nada por vontade própria, mas escutando a vontade do
Pai.
O diálogo começa com uma pergunta
um tanto inócua: “Quem dizem as multidões que eu sou?” É inócua, pois não
compromete - o “diz que” não compromete ninguém, pois expressa a opinião dos
outros. Por isso, chovem respostas da parte dos discípulos: “João Batista,
Elias, um dos antigos profetas que ressuscitou!” Mas, Jesus não quer parar
aqui, - esta pergunta foi só uma introdução. Depois vem a facada!:
“E vocês, quem dizem que eu sou?” Agora, não chovem
respostas, pois quem responde vai se comprometer - não será a opinião dos
outros, mas a opinião pessoal! Esta opinião traz consequências práticas para a
vida. Finalmente, Pedro se arrisca: “O Messias de Deus”. (Os termos “Messias”
em hebraico e “Cristo” em grego têm o mesmo sentido = o Ungido de Deus.)
Mas, a reação de Jesus é no mínimo
estranha!: “Ele proibiu severamente que eles contassem isso a alguém”. Que
coisa esquisita! Jesus proíbe que se fale a verdade sobre ele! Como é que ele
espera angariar discípulos deste jeito? O assunto merece mais atenção.
Realmente, Pedro acertou em termos
de teologia, de “ortodoxia”, conforme diríamos hoje. Ele usou o termo certo
para descrever Jesus. Mas, Jesus quer esclarecer o que significa ser “O Messias
de Deus”. Pois, cada um pode entender este termo conforme a sua cabeça,
conforme os seus desejos. Jesus quer deixar bem claro que ser “messias”, para
ele, é ser o “Servo Sofredor” de Javé. É vivenciar o projeto do Pai, que
necessariamente vai levá-lo a um choque com as autoridades políticas,
religiosas, e econômicas, enfim, com a classe dominante do seu tempo:
“O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos
anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto, e
ressuscitar no terceiro dia” (v 22). Essa visão que Jesus tinha do Messias, não
era a comum - em geral o pessoal esperava um messias triunfante, glorioso e
guerreiro. O relato em Marcos (mas não a versão em Lucas) nos mostra que Pedro
partilhava essa visão errada, ao ponto de tentar corrigir Jesus, e de ganhar de
Jesus uma correção dura: “Fique atrás de mim, Satanás! Você não pensa as coisas
de Deus, mas as coisas dos homens” (Mc 8, 33).
Não basta ter os termos e títulos
certos - temos que ter o conteúdo certo. Normalmente, todos nós temos os
títulos certos para descrever Jesus e a sua missão - aprendemos desde a
infância, desde a catequese para a Primeira Comunhão. Mas, o que significam
esses títulos para nós na nossa vivência diária? Professamos que Jesus é o
Cristo, o Salvador, o Redentor, o Filho de Deus - mas como ‘de quê a minha vida
é diferente porque tenho essa crença? Ele realmente é o meu Senhor, o meu
Salvador, da maneira que procuro reproduzir e atualizar as suas opções
e atitudes na minha vida, não somente no que creio, mas nas minhas
atitudes na vida pública, profissional, familiar e social? A Bíblia nos conta
que Deus criou o homem e a mulher na sua imagem e semelhança; mas, na verdade,
nós criamos Deus em nossa imagem, e semelhança, para que ele não nos incomode.
A nossa tendência é de seguir um messias triunfante, e não o Servo Sofredor.
Mas, para Jesus, não há meio-termo. O discípulo tem que andar nas pegadas do
seu mestre: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua
cruz, e me siga” (Lc 9, 23).
O seguimento de Jesus leva à cruz,
pois a vivência das atitudes e opções d’Ele vai nos colocar em conflito com os
poderes contrários ao Evangelho. Carregar a cruz, não é aguentar qualquer
sofrimento, não. Assim, a religião seria masoquismo! Carregar a cruz é viver as
consequências de uma vida coerente com o projeto do Pai, manifestado em Jesus.
Segui-Lo não é tanto fazer o que Jesus fazia, mas o que Ele faria, se estivesse
aqui hoje. Como Ele foi morto, não pelo povo, mas por grupos de interesse bem
claros “os anciãos, os chefes dos sacerdotes e os doutores da Lei” (a elite
dominante em termos econômicos, religiosos e ideológicos), os seus seguidores
entrarão em conflito com os grupos que hoje representam os mesmos interesses.
Por isso, sempre haverá a tentação de criarmos um Jesus “light”, sem
grandes exigências, limitado a uma religião intimista e individualista, sem
consequências políticas, econômicas ou ideológicas. Seria cair na tentação de
Pedro, conforme o relato de Marcos.
O texto faz ressoar para cada um
de nós as duas perguntas de Jesus. É fácil responder o que os homens dizem
d’Ele - o que dizem o Papa, o Bispo, o catequista, os teólogos, a TV. Mas esta
pergunta não é tão importante. É a segunda que cada um tem que responder: “Quem
é Jesus para mim?” E a resposta se dará não tanto com os lábios, mas com as
mãos e os pés. Respondemos quem é Jesus para nós, pela nossa maneira de viver,
pelas nossas opções concretas, pela nossa maneira de ler os acontecimentos da
vida e da história. Tenhamos cuidado com qualquer Jesus que não seja exigente,
que não traz consequências sociais, que não nos engaja na luta por uma
sociedade mais justa. Pois, o Jesus real, o Jesus de Nazaré, o Jesus do
Evangelho, não foi assim, e deixou bem claro: “Se alguém quer me seguir, renuncie
a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e me siga. Pois, quem quiser salvar a sua
vida, vai perdê-la; mas quem perde a sua vida por causa de mim, esse a salvará”
(Lc 9, 24)
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