sábado, 9 de novembro de 2013

FESTA DE CRISTO REI - Ano C


Refletindo o Evangelho do Domingo

Pe. Thomaz Hughes, SVD



FESTA DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO REI DO UNIVERSO - Ano C
Lucas 23,35-43
Jesus, lembra-te de mim, quando vieres como rei

Oração do dia
Deus eterno e todo-poderoso, que dispusestes restaurar todas as coisas no vosso amado Filho, rei do universo, fazei que todas as criaturas, libertas da escravidão e servindo à vossa majestade, vos glorifiquem eternamente. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

EVANGELHO (Lucas 23,35-43)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas. 23,35 A multidão conservava-se lá e observava. Os príncipes dos sacerdotes escarneciam de Jesus, dizendo: “Salvou a outros, que se salve a si próprio, se é o Cristo, o escolhido de Deus!” 
36 Do mesmo modo zombavam dele os soldados. Aproximavam-se dele, ofereciam-lhe vinagre e diziam: 
37 “Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo”. 
38 Por cima de sua cabeça pendia esta inscrição: “Este é o rei dos judeus”. 
39 Um dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra ele: “Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós!” 
40 Mas o outro o repreendeu: “Nem sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício?
41 Para nós isto é justo: recebemos o que mereceram os nossos crimes, mas este não fez mal algum”. 
42 E acrescentou: “Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino!” 
43 Jesus respondeu-lhe: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso”. 
- Palavra da Salvação.

COMENTÁRIO


Como é de costume na Igreja Católica, hoje, último domingo do Ano Litúrgico, celebra-se a festa litúrgica de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. A festa foi estabelecida na época dos governos totalitários nazistas, fascistas e comunistas, nos anos antes da Segunda Guerra, para enfatizar que o único poder absoluto é de Deus. Nos dias de hoje, em que milhões padecem as consequências de um novo tipo de totalitarismo disfarçado, o do poder econômico inescrupuloso, torna-se atual a inspiração original da festa - que Deus é o único Absoluto. No mundo que não é ateu, mas idolátrico, pois presta culto ao lucro, a festa de hoje nos desafia para que revejamos as nossas atitudes e ações concretas - para descobrir o que é para nós, na verdade, o valor absoluto da nossa vida. Em uma sociedade onde frequentemente o nome de Deus é invocado para justificar regimes repressivos fundamentalistas, ou sistemas imperialistas que abusam do nome “cristão” para se justificar, a festa nos lembra o verdadeiro sentido do Reino de Deus.

Foi exatamente por ter semeado este Reino, na contramão da sociedade de então, que Jesus devia morrer - ou melhor, ser matado, o que é diferente. Todos os evangelhos mostram, cada um da sua maneira, que quem matou Jesus não foi o povo, mas um conluio dos chefes religiosos, políticos e econômicos . É importante entender o que isso significa, pois se Jesus foi assassinado, houve algum motivo, e houve quem o matasse. Os sumos sacerdotes eram, no tempo de Jesus, todos nomeados pelos romanos, dentro do partido dos saduceus, o partido da elite jerosalemita, donos de terras e do comércio, e chefes do Templo. E o Templo funcionava como Banco Central, centro de arrecadação de impostos, e lugar de câmbio monetário, uma vez que não se aceitava nele a moeda corrente. Jesus, portanto, foi assassinado pelo poder político, econômico e religioso, coniventes com o poder imperialista, representado por Pilatos. Pois, o Reino de Deus se opõe frontalmente com qualquer reino opressor, como era o de Roma.
O texto de hoje usa a ironia para demonstrar a verdadeira identidade de Jesus. Lucas faz isso através do uso de títulos por Ele - títulos usados como gozação, mas que de fato que descreviam a sua pessoa e missão - “o Messias de Deus”, “o Escolhido” o “Rei dos judeus”. Enquanto o povo fica quieto contemplando a cena (v. 35), os detentores do poder, chefes e soldados, zombam de Jesus. Mas, não sabem que a sua zombaria expressa a verdade sobre Ele, que eles, opressores, são incapazes de entender. Ao contrário, quem entendeu era o condenado que costumamos chamar “o bom ladrão”. Ele expressa a esperança básica de todos os sofridos, rejeitados e excluídos desse mundo quando pede com fé: “Jesus, lembra-te de mim, quando vieres como rei” (v. 42). É o grito que expressa a esperança última dos sofredores, a vitória do bem sobre o mal, e a instauração do reino de Deus, de justiça, fraternidade e paz.
A realidade vivida por Jesus continua hoje. O seguimento d’Ele, na construção de um Reino de justiça e paz, do shalom de Deus, necessariamente vai entrar em conflito com os reinos que dependem da exploração e da injustiça. Normalmente, esses poderes primeiro vão tentar cooptar a Igreja, para que, em lugar de ser voz profética diante das injustiças, se torne porta-voz dos valores desses reinos. Não faltarão incentivos, financeiros e outros, para que as Igrejas caiam nesta cilada. Por isso, como nos advertiram os textos nos últimos domingos, é necessário ficarmos sempre vigilantes, para que possamos verificar se a nossa vida prática está mais de acordo com o Reino de Deus ou o reino de Pilatos.
Jesus traz a grande crise da história. Diante da verdade, que é Ele, todos têm que se posicionar. Ele, como todo profeta, não causa a divisão, mas desmascara a divisão que existe dentro da sociedade, a divisão entre o bem e o mal, entre um projeto da morte e um projeto da vida, uma divisão que permeia todos os elementos da sociedade. Diante d’Ele, não há lugar para meio-termo - todos têm que optar. Por isso, a nossa festa de hoje, longe de ser algo triunfalista, nos desafia para que façamos um exame de consciência - tanto individual como eclesial e comunitário - para verificar se o nosso Rei é realmente Jesus, ou se, mesmo de uma maneira disfarçada, continua sendo César!


33º DOMINGO COMUM - Ano C


Refletindo o Evangelho do Domingo

Pe. Thomaz Hughes, SVD


33º DOMINGO COMUM - Ano C


Lucas 21,5-19
Cuidado para que vocês não sejam enganados

Oração do dia
Senhor nosso Deus, fazei que a nossa alegria consista em vos servir de todo o coração, pois só teremos felicidade completa servindo a vós, o criador de todas as coisas. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

EVANGELHO (Lucas 21,5-19)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas. Naquele tempo:  21,5 Como lhe chamassem a atenção para a construção do templo feito de belas pedras e recamado de ricos donativos, Jesus disse: 
6 “Dias virão em que destas coisas que vedes não ficará pedra sobre pedra: tudo será destruído”. 
7 Então o interrogaram: “Mestre, quando acontecerá isso? E que sinal haverá para saber-se que isso se vai cumprir?” 
8 Jesus respondeu: “Vede que não sejais enganados. Muitos virão em meu nome, dizendo: ‘Sou eu’; e ainda: ‘O tempo está próximo’. Não sigais após eles. 
9 Quando ouvirdes falar de guerras e de tumultos, não vos assusteis; porque é necessário que isso aconteça primeiro, mas não virá logo o fim”. 
10 Disse-lhes também: “Levantar-se-ão nação contra nação e reino contra reino. 
11 Haverá grandes terremotos por várias partes, fomes e pestes, e aparecerão fenômenos espantosos no céu. 
12 Mas, antes de tudo isso, vos lançarão as mãos e vos perseguirão, entregando-vos às sinagogas e aos cárceres, levando-vos à presença dos reis e dos governadores, por causa de mim. 
13 Isto vos acontecerá para que vos sirva de testemunho. 
14 Gravai bem no vosso espírito de não preparar vossa defesa, 
15 porque eu vos darei uma palavra cheia de sabedoria, à qual não poderão resistir nem contradizer os vossos adversários. 
16 Sereis entregues até por vossos pais, vossos irmãos, vossos parentes e vossos amigos, e matarão muitos de vós. 
17 Sereis odiados por todos por causa do meu nome. 
18 Entretanto, não se perderá um só cabelo da vossa cabeça. 
19 É pela vossa constância que alcançareis a vossa salvação”.  - Palavra da Salvação.

COMENTÁRIO
Chegando ao fim do ano litúrgico, encontramos uma das passagens chamadas “apocalípticas” de Lucas. É um texto realmente complexo, que olha em duas direções: lendo o que foi escrito pelo ano 85, o leitor pode olhar para trás para 19, 47 - 21,4, e ver a consequência da rejeição de Jesus e do seu ensinamento pelos líderes do Templo (a destruição do Templo pelos Romanos sob Tito no ano 70 d.C); também o leitor pode olhar além dos eventos de Lucas 22-23 e ver a vindicação do Filho do Homem por Deus, e o fortalecimento por Jesus dos seus discípulos, que serão perseguidos por sua fidelidade a Ele. A passagem (que na realidade continua até v. 38) pode ser dividida da seguinte maneira:
1) Introdução (vv. 5-7)
2) Exortação inicial (vv. 8-9)
3) Desastres cósmicos (vv. 10-11)
4) Eventos que precederão o fim do mundo - cristãos serão perseguidos; (vv. 12-19); a destruição de Jerusalém (vv. 20-24).
5) Desastres cósmicos (vv. 25-33)
6) Exortação final (vv. 34-36)
7) Inclusão com 19, 47-48 (vv. 36-38)
Esse esquema mostra como, no texto, os eventos do fim do mundo são relacionados à destruição de Jerusalém, e assim sublinha a mensagem cristológica: a crise que Jerusalém enfrentou no ministério de Jesus é uma previsão da crise que Ele e a Sua mensagem, e especialmente a Sua vinda como o Filho do Homem, trarão a “todos aqueles que habitam a face de toda a terra” (v. 35).
Um termo que perpassa o texto a partir do v. 7 é “estas coisas”. Este termo muda de referências durante a passagem - da destruição do Templo para a destruição de Jerusalém para a destruição do mundo todo.
Os discípulos devem cuidar para não serem enganados por falsos Messias! E não devem impressionar-se com guerras, revoluções ou outros eventos estrondosos. Uma advertência que vale muito para os dias de hoje! É só lembrar algumas reações fundamentalistas diante dos eventos mais chocantes nos dias de hoje! Quantos falsos Messias, quanto pavor, quantos profetas de destruição! Mas não é ainda o fim.
A partir de versículo 12, Jesus procura animar os seus discípulos, para que possam aguentar a perseguição futura (que na verdade já estava começando no tempo de Lucas). E a perseguição não viria somente da parte das autoridades do Império (a de Nero já tinha acontecido quase vinte anos antes, na cidade de Roma). Os próprios pais, parentes e amigos tornar-se-iam perseguidores. Realmente isso aconteceria a partir do ano 85, quando o judaísmo se reorganizou na forma rabínica, com o Sínodo de Jâmnia. A partir de então, crescia o racha entre cristãos e judeus, com os primeiros sendo expulsos da sinagoga, e vistos como traidores do seu povo, da sua herança, da sua fé javista. Com certeza, no tempo de Lucas, muitos já estavam vacilando diante dessa situação de insegurança e perigo, e por isso o evangelista destaca tanto a exortação de Jesus à perseverança e confiança.

A situação nossa de hoje é bem diferente - nós não formamos uma minoria perseguida! Mas a mensagem permanece válida - ser cristão implica carregar a cruz! Não é possível servir Jesus e os valores desta sociedade consumista e excludente! Ser cristão é muitas vezes andar na contramão da sociedade, e acarreta necessariamente conflitos com um mundo regido por outros valores. Uma Igreja acomodada, que não incomoda a sociedade vigente, não seria Igreja do seguimento fiel de Jesus. (As falas e ações do atual Papa já estão incomodando muita gente, pois demonstram que o seguimento de Jesus exige ações concretas que nos põe em choque com a sociedade dominante e questiona uma prática religiosa alienada e alienante!) Como é tentador buscar uma religião só de consolo e prática individual - uma religião que a sociedade até estimula, pois relega o Evangelho à esfera do íntimo, e tira dele a sua força transformadora. Lucas não nos deixa esquecer que a fé em Jesus é altamente perigosa, pois não se conforma com o mal, e por isso mesmo exige o seguimento de Jesus “no caminho” - até Jerusalém, a cruz - e a Ressurreição.

Salmo - Sl 97/98
  
R. O Senhor virá julgar a terra inteira;
com justiça julgará.

Cantai salmos ao Senhor ao som da harpa*
e da cítara suave!
Aclamai, com os clarins e as trombetas,*
ao Senhor, o nosso Rei! R.

R. O Senhor virá julgar a terra inteira;
com justiça julgará.

Aplauda o mar com todo ser que nele vive,*
o mundo inteiro e toda gente!
As montanhas e os rios batam palmas*
e exultem de alegria. R.

R. O Senhor virá julgar a terra inteira;
com justiça julgará.

Exultem na presença do Senhor, pois ele vem,*
vem julgar a terra inteira.
Julgará o universo com justiça*
e as nações com eqüidade. R.

R. O Senhor virá julgar a terra inteira;
com justiça julgará.




32º DOMINGO COMUM - Ano C


Refletindo o Evangelho do Domingo

Pe. Thomaz Hughes, SVD


TRIGÉSIMO SEGUNDO DOMINGO COMUM - Ano C
Lucas 20,27-38
“Deus não é Deus de mortos, mas de vivos”


Oração do dia
Deus de poder e misericórdia, afastai de nós todo obstáculo para que, inteiramente disponíveis, nos dediquemos ao vosso serviço. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.


EVANGELHO (Lucas 20,27-38)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas. Naquele tempo, 20,27 alguns saduceus - que negam a ressurreição - aproximaram-se de Jesus e perguntaram-lhe: 
28 "Mestre, Moisés prescreveu-nos: Se alguém morrer e deixar mulher, mas não deixar filhos, case-se com ela o irmão dele, e dê descendência a seu irmão. 
29 Ora, havia sete irmãos, o primeiro dos quais tomou uma mulher, mas morreu sem filhos. 
30 Casou-se com ela o segundo, mas também ele morreu sem filhos. 
31 Casou-se depois com ela o terceiro. E assim sucessivamente todos os sete, que morreram sem deixar filhos. 
32 Por fim, morreu também a mulher. 
33 Na ressurreição, de qual deles será a mulher? Porque os sete a tiveram por mulher". 
34 Jesus respondeu: "Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento, 
35 mas os que serão julgados dignos do século futuro e da ressurreição dos mortos não terão mulher nem marido. 
36 Eles jamais poderão morrer, porque são iguais aos anjos e são filhos de Deus, porque são ressuscitados. 
37 Por outra parte, que os mortos hão de ressuscitar é o que Moisés revelou na passagem da sarça ardente, chamando ao Senhor: Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó . 
38 Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos; porque todos vivem para ele". 
- Palavra da Salvação.

COMENTÁRIO
Mais uma vez, a nossa leitura exige que a gente tenha alguma noção dos partidos político-religiosos do tempo de Jesus. Depois de termos encontrado “os Fariseus”, “os Escribas”, e “os Herodianos”, agora entram em cena “os Saduceus”! Para entender a controvérsia no texto, é imprescindível conhecer algo sobre este partido.
Não é absolutamente claro qual é a origem do nome “Saduceu”. Alguns estudiosos acham que vem do nome do Sumo Sacerdote de Davi, “Sadoc”; enquanto outros, diante do fato de que muitos dos seus membros eram leigos, acham mais provável que o nome venha de uma palavra hebraica que significa “justo”. Eles se consideravam “os justos” (uma ilusão também partilhada por outros partidos da época, como os fariseus e os essênios!). A primeira menção deles é do tempo dos Macabeus (cerca 130 AC.), quando fizeram parte de uma delegação judaica que foi a Roma.
Podemos dizer que eles representavam a “elite conservadora” do judaísmo do tempo de Jesus. Defendiam os interesses da classe alta de Jerusalém, os grandes comerciantes e donos de terras, e dos “donos” do Templo - uma fonte de muito lucro. No tempo dos Romanos, praticamente todos os Sumos Sacerdotes vieram deste grupo. Dominavam o Sinédrio, ou Grande Conselho (realmente seriam eles os responsáveis pela morte de Jesus), colaboravam com os Romanos, desprezavam o povo simples - ao contrário dos fariseus e escribas, não tinham muita influência com ele - e mantinham uma interpretação conservadora da Escritura, não admitindo a tradição oral e limitando-se ao Pentateuco, ou “Torá”. Não aceitavam a doutrina da ressurreição dos mortos, nem a dos anjos, e eram opositores dos fariseus.
A partir da lei do casamento da Lei do levirato do Livro de Deuteronômio, (quando o irmão de quem falecesse sem deixar filho deveria casar com a viúva e gerar filho no nome do falecido), eles propõem para Jesus um argumento - que nos poderia parecer absurdo - para contestar a doutrina tardia da ressurreição dos mortos. Vale a pena lembrar-nos do que diz Dt 25, 5-6: “Quando dois irmãos moram juntos e um deles morre sem deixar filhos, a viúva não sairá da casa para casar-se com nenhum estranho; seu cunhado se casará com ela, cumprindo o dever de cunhado. O primogênito que nascer receberá o nome do irmão morto, para que o nome deste não se apague em Israel”. Certamente uma lei que para nós parece no mínimo estranha! Mas na época antes da fé na ressurreição, era de suma importância para Israel que o nome de um homem se propagasse nos seus filhos. Por isso, era dever do irmão sobrevivente suscitar um filho para o falecido, para que este não morresse na memória do seu povo. Naquele tempo, a família estendida, ou clã, era mais importante do que a família nuclear de hoje.
Jesus ataca a premissa básica dos Saduceus - para eles a vida vindoura é simplesmente uma continuação desta vida, e por isso precisa da procriação humana. Em lugar de fazer um argumento casuístico, que não levaria a nada, Jesus apresenta o ponto central da Escritura - que Deus é o Deus da vida! Não criou ninguém para a morte, mas para a vida eterna com Ele!
O argumento dos saduceus dificilmente encontraria eco entre nós hoje. Mas, como eles naquela ocasião, quantas vezes nós nos preocupamos mais com o que possa acontecer depois a morte, do que com a vida aqui e agora.
Quanta preocupação hoje com o fim do mundo, com as almas e espíritos, com assombração, com supostas visões e revelações - e tão pouca com os problemas práticos que trazem tanto sofrimento aos nossos irmãos e irmãs. Jesus não permite que nós gastemos tempo e energias com discussões inúteis sobre “como é” a vida além-morte. Chama a nossa atenção para a vida real - pois é aqui que devemos concretizar o seguimento d’Ele, que veio “para que todos tenham a vida e a vida em abundância” (Jo 10, 10).
Pode parecer que a preocupação dos saduceus era ridícula – mas, não era mais ridícula do que a dos cristãos que gastam as suas forças em discussões fúteis sobre a vida do além, que ninguém, - segundo Paulo - é capaz de imaginar, enquanto ignoram o Cristo presente nos sofredores ao seu lado. A fé de Jesus não permite alienação, “Deus não é Deus de mortos, mas de vivos” (v. 38), e nos desafia para que vivamos esta fé na luta para que o mundo sonhado por Jesus se torne realidade.


sábado, 2 de novembro de 2013

Festa de Todos os Santos


Refletindo o Evangelho do Domingo

Pe. Thomaz Hughes, SVD


Festa de Todos os Santos - Ano C
Mt 5, 1-12ª
“Fiquem alegres e contentes, porque será grande para vocês a recompensa nos céus”

Oração do dia
Deus eterno e todo-poderoso, que nos dais celebrar numa só festa os méritos de todos os santos, concedei-nos, por intercessores tão numerosos, a plenitude da vossa misericórdia. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

EVANGELHO (Mateus 5,1-12)

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus - 5,1 Vendo aquelas multidões, Jesus subiu à montanha. Sentou-se e seus discípulos aproximaram-se dele. 
2 Então abriu a boca e lhes ensinava, dizendo: 
3 "Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos céus! 
4 Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados! 
5 Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra! 
6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados! 
7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia! 
8 Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus! 
9 Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus! 
10 Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus! 
11 Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. 
12 Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós".
- Palavra da Salvação.

COMENTÁRIO


Esses primeiros versículos de Cap. 5 servem ao mesmo tempo como introdução e como resumo do Sermão da Montanha.  Nos apresentam um retrato das qualidades do verdadeiro discípulo(a), daquele(a) que, no seguimento de Jesus, procura viver os valores do Reino de Deus.  Basta uma leitura superficial para ver que a proposta de Jesus está na contramão da proposta da sociedade vigente – tanta a do tempo de Jesus, como de hoje.  Embora de uma forma menos contundente do que Lucas (Lc 6, 20-26), o texto de Mateus deixa claro que o seguimento de Jesus exige uma mudança radical na nossa maneira de pensar e viver.
Um primeiro elemento que chama a atenção é o fato de que a primeira e a última bem-aventurança estão com o verbo no tempo presente – o Reino já é dos pobres em espírito e dos perseguidos por causa da justiça – na verdade, as mesmas pessoas, pois os que buscam a justiça verdadeira são “pobres em espírito”.  Eles já vivem a dependência total de Deus, pois só com Ele esses valores podem vigorar. Mas quem luta pela justiça será perseguido – e quem não se empenha nessa luta jamais poderá ser “pobre em espírito”.
As outras bem-aventuranças traçam as características de quem é pobre em espírito.  É aflito, por causa das injustiças e do sofrimento dos outros, causados por uma sociedade materialista e consumista.  Podemos lembrar os sentimentos expressados pelo Papa Francisco na ocasião recente do naufrágio do barco carregando 500 refugiados da África, perto da Ilha de Lampedusa.  Ele falou em Assis que sentiu uma sensação de “vergonha” diante da situação que não era só deste grupo, mas de milhões dos nossos irmãos e irmãs.
 É manso, não no sentido de passivo, mas porque não é movido pelo ódio e violência que marcam a ganância e a truculência dos que dominam, “amansando” os pobres e fracos.
Tem fome da justiça do Reino, não a dos homens, que tantas vezes não passa de uma legitimação oficial da exploração e privilégio.  Tem coração compassivo, como o próprio Pai do Céu, e é “puro de coração”, sem ídolos e falsos valores.  Promove a paz, não “a paz que o mundo dá” (Jo 14, 27), mas o “shalom”, a paz que nasce do projeto de Deus, quando existe a justiça do Reino.
Mas Jesus deixa clara a conseqüência de assumir esse projeto de vida – a perseguição!  Pois um sistema baseado em valores anti-evangélicos não pode agüentar quem a contesta e questiona, algo que a história dos mártires do nosso continente testemunha muita bem.  Qualquer igreja cristã que é bem aceita e elogiada pelo sistema hegemônico precisa se questionar sobre a sua fidelidade à vivência das bem-aventuranças do Sermão da Montanha. O martírio (= testemunho, na língua grega) é pedra-de-toque dessa fidelidade.