Refletindo o Evangelho do Domingo
Pe. Thomaz Hughes, SVD
QUARTO DOMINGO DA QUARESMA - Ano C
Lc 15, 1-3.11-32
"Seu irmão estava morto e tornou a viver"
Oração do dia
Ó Deus, que por vosso Filho
realizais de modo admirável a reconciliação do gênero humano,
concedei ao povo cristão
correr ao encontro das festas que se aproximam
cheio de fervor e exultando de fé.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo,
Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
EVANGELHO (Lucas 15,1-3.11-32)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas. 15,1
Aproximavam-se de Jesus os publicanos e os pecadores para ouvi-lo.
2
Os fariseus e os escribas murmuravam: Este homem recebe e come com pessoas de
má vida!
3 Então lhes propôs a seguinte parábola:
11
"Um homem tinha dois filhos.
12 O mais moço disse a seu pai:
'Meu pai, dá-me a parte da herança que me toca'. O pai então repartiu entre
eles os haveres.
13 Poucos dias depois, ajuntando tudo o que lhe
pertencia, partiu o filho mais moço para um país muito distante, e lá dissipou
a sua fortuna, vivendo dissolutamente.
14 Depois de ter esbanjado
tudo, sobreveio àquela região uma grande fome e ele começou a passar penúria.
15
Foi pôr-se ao serviço de um dos habitantes daquela região, que o mandou para os
seus campos guardar os porcos.
16 Desejava ele fartar-se das vagens
que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava.
17 Entrou então em si
e refletiu: 'Quantos empregados há na casa de meu pai que têm pão em abundância
e eu, aqui, estou a morrer de fome!'
18 Levantar-me-ei e irei a meu
pai, e dir-lhe-ei: 'Meu pai, pequei contra o céu e contra ti;
19 já
não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus
empregados'.
20 Levantou-se, pois, e foi ter com seu pai. Estava
ainda longe, quando seu pai o viu e, movido de compaixão, correu-lhe ao
encontro, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou.
21 O filho lhe
disse, então: 'Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de
ser chamado teu filho'.
22 Mas o pai falou aos servos: 'Trazei-me
depressa a melhor veste e vesti-lha, e ponde-lhe um anel no dedo e calçado nos
pés.
23 Trazei também um novilho gordo e matai-o; comamos e façamos
uma festa.
24 Este meu filho estava morto, e reviveu; tinha se
perdido, e foi achado. E começaram a festa'.
25 O filho mais velho
estava no campo. Ao voltar e aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças.
26
Chamou um servo e perguntou-lhe o que havia.
27 Ele lhe explicou:
'Voltou teu irmão. E teu pai mandou matar um novilho gordo, porque o
reencontrou são e salvo'.
28 Encolerizou-se ele e não queria
entrar, mas seu pai saiu e insistiu com ele.
29 Ele, então,
respondeu ao pai: 'Há tantos anos que te sirvo, sem jamais transgredir ordem
alguma tua, e nunca me deste um cabrito para festejar com os meus amigos.
30
E agora, que voltou este teu filho, que gastou os teus bens com as meretrizes,
logo lhe mandaste matar um novilho gordo!'
31 Explicou-lhe o pai:
'Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu.
32
Convinha, porém, fazermos festa, pois este teu irmão estava morto, e reviveu;
tinha se perdido, e foi achado'".
- Palavra da Salvação.
COMENTÁRIO
O Evangelho de Lucas prima pela
sua ênfase sobre a misericórdia de Deus. Se fosse para classificar em uma só
palavra o rosto de Deus em Lucas, poderíamos sem hesitação assinalar
“misericórdia”. Talvez nenhum capítulo salienta essa convicção tanto como o
capítulo 15. A parábola aqui relatada está entre as mais conhecidas da Bíblia -
geralmente chamada “O Filho Pródigo” (‘pródigo’ significa ‘esbanjador’).
Devemos ter um pouco de cuidado com esse título, pois já sugere que a figura
central da parábola é o Filho Pródigo, o que não necessariamente é a
interpretação mais adequada!
Para sermos fiéis ao evangelho,
devemos interpretá-lo dentro do seu esquema teológico e literário. Para isso,
temos que dar muita atenção aos primeiros três versículos; pois, nos dão o
motivo pelo qual Jesus contou as três parábolas do capítulo, uma chave valiosa
de interpretação. São como um gancho sobre qual se pendura o resto do capítulo:
“Todos os cobradores de impostos e pecadores se aproximavam de Jesus para
escutá-lo. Mas, os fariseus e os doutores da Lei criticavam a Jesus, dizendo:
“Esse homem acolhe pecadores, e come com eles!” (vv. 1-2). Depois vem a chave
de interpretação: “Então Jesus contou-lhes esta parábola” (v. 3). Ou seja,
Jesus contou as parábolas deste capítulo porque os chefes religiosos o criticavam
por associar-se com gente de má fama! Então, a chave de interpretação é a
atitude dos fariseus e doutores, contestada pelo ensinamento de Jesus. O
problema de fundo não é só a prática de Jesus, mas a experiência de Deus. Para
os oponentes de Jesus, Ele não pode ser de Deus, agindo assim, pois Deus não
acolhe pecadores. Para Jesus, Deus é exatamente o oposto – Ele é compaixão e
misericórdia, e, por isso, corre atrás dos pecadores. Quantas vezes, falando de
Deus, nós cristãos demonstramos um Deus como o Deus dos escribas e não o Deus
de Jesus! Assim também a parábola nos interpela hoje!
Podemos ler este texto a partir do
“filho perdido”, ou do “pai”, ou do “irmão mais velho”. O título tradicional
implica uma leitura a partir do “pródigo” (Pródigo significa “esbanjador”).
Assim, ressaltaria o processo de conversão - sentir a situação perdida, decidir
a pedir reconciliação, ser aceito pelo Pai, reativar os relacionamentos
perdidos e estragados. Sem dúvida, uma leitura válida do texto como tal - mas diante
dos primeiros dois versículos do capítulo, talvez não a interpretação primária
que Lucas quisesse dar.
Outra possibilidade é de ler a
história a partir do pai. Sem dúvida, também válido. Assim, o pai representa o
próprio Deus, que em primeiro lugar, respeita a liberdade de decisão do filho,
não impedindo que ele seja “sujeito” da sua vida; depois, não espera a volta do
“pródigo”, mas corre ao seu encontro, numa atitude não “digna” de um fidalgo
oriental idoso, pois o pai está preocupado mais com a reconciliação do que com
o prejuízo, e se alegra com a volta de quem estava morto! Mais uma vez, uma
leitura mais do que aceitável!
Mas, o contexto do capítulo, à luz
dos primeiros versículos, sugere uma leitura diferente - a partir do irmão mais
velho. Pois, Jesus conta a parábola para contestar a atitude dos fariseus e
doutores da Lei, que o reprovam, porque Ele acolhe os pecadores! Então, o filho
mais velho é a imagem dos fariseus - “gente boa”, fiel na observância da Lei,
mas, cujos corações estão fechados, ao ponto de serem incapazes de alegrar-se
com a volta de um irmão perdido. Assim, embora observem minuciosamente todas as
prescrições da Lei, a atitude deles contradiz claramente a atitude de Deus,
demonstrada pela ação do pai misericordioso! Essa diferença de atitude se
resume claramente nos termos que ambos usam, referindo-se ao filho mais moço.
Enquanto o filho mais velho o chama de “este teu filho” (v. 30), o pai fala
“este teu irmão” (v. 32).
Aqui Jesus quer questionar todos
nós que somos “praticantes”. Somos capazes de reconhecer a nossa própria
fraqueza e miséria espiritual, como fez o “pródigo”? Somos capazes de correr ao
encontro de um irmão perdido, como fez o pai? Ou somos como o irmão mais velho
- “gente boa”, gente de “observância”; mas, gente incapaz de ter um coração de
misericórdia, de alegrar-nos com a volta ao estado original, de um irmão ou uma
irmã perdidos?
Podemos até dizer que este
capítulo de Lucas é o coração do Evangelho. Pois Deus, o Deus de Jesus e o de
Lucas, é o Deus que não se alegra com a perda de quem quer que seja, mas com a
volta do pecador. É o Deus que se encarnou em Jesus de Nazaré, para salvar quem
estava perdido. É o Deus da misericórdia e do perdão. Como traduzimos esta
visão de Deus em nossa vida?
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