Refletindo o Evangelho do Domingo
Pe. Thomaz Hughes, SVD
VIGÉSIMO QUARTO DOMINGO COMUM - Ano C
Lucas 15,1-32
Oração
do dia
Ó Deus,
criador de todas as coisas, volvei para nós o vosso olhar e, para sentirmos em
nós a ação do vosso amor, fazei que vos sirvamos de todo o coração. Por Nosso
Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
EVANGELHO
(Lucas 15,1-32)
Proclamação
do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas. Naquele
tempo, 15,1 Os publicanos e os pecadores aproximavam-se de Jesus para ouvi-lo.
2 Os fariseus e os escribas murmuravam: "Este
homem recebe e come com pessoas de má vida!"
3 Então lhes
propôs a seguinte parábola:
4 "Quem de vós que, tendo cem
ovelhas e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai em
busca da que se perdeu, até encontrá-la?
5 E depois de encontrá-la,
a põe nos ombros, cheio de júbilo,
6 e, voltando para casa, reúne
os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: 'Regozijai-vos comigo, achei a minha ovelha
que se havia perdido'.
7 Digo-vos que assim haverá maior júbilo no
céu por um só pecador que fizer penitência do que por noventa e nove justos que
não necessitam de arrependimento.
8 Ou qual é a mulher que, tendo
dez dracmas e perdendo uma delas, não acende a lâmpada, varre a casa e a busca
diligentemente, até encontrá-la?
9 E tendo-a encontrado, reúne as
amigas e vizinhas, dizendo: Regozijai-vos comigo, achei a dracma que tinha
perdido.
10 Digo-vos que haverá júbilo entre os anjos de Deus por
um só pecador que se arrependa".
11 Disse também: "Um
homem tinha dois filhos.
12 O mais moço disse a seu pai: 'Meu pai,
dá-me a parte da herança que me toca'. O pai então repartiu entre eles os
haveres.
13 Poucos dias depois, ajuntando tudo o que lhe pertencia,
partiu o filho mais moço para um país muito distante, e lá dissipou a sua
fortuna, vivendo dissolutamente.
14 Depois de ter esbanjado tudo,
sobreveio àquela região uma grande fome e ele começou a passar penúria.
15
Foi pôr-se ao serviço de um dos habitantes daquela região, que o mandou para os
seus campos guardar os porcos.
16 Desejava ele fartar-se das vagens
que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava.
17 Entrou então em si
e refletiu: 'Quantos empregados há na casa de meu pai que têm pão em abundância
e eu, aqui, estou a morrer de fome!'
18 Levantar-me-ei e irei a meu
pai, e dir-lhe-ei: 'Meu pai, pequei contra o céu e contra ti;
19 já
não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus
empregados'.
20 Levantou-se, pois, e foi ter com seu pai. Estava
ainda longe, quando seu pai o viu e, movido de compaixão, correu-lhe ao
encontro, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou.
21 O filho lhe
disse, então: 'Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de
ser chamado teu filho'.
22 Mas o pai falou aos servos: 'Trazei-me
depressa a melhor veste e vesti-lha, e ponde-lhe um anel no dedo e calçado nos
pés.
23 Trazei também um novilho gordo e matai-o; comamos e façamos
uma festa.
24 Este meu filho estava morto, e reviveu; tinha se
perdido, e foi achado'. E começaram a festa.
25 O filho mais velho
estava no campo. Ao voltar e aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças.
26 Chamou um servo e perguntou-lhe o que havia.
27 Ele
lhe explicou: 'Voltou teu irmão. E teu pai mandou matar um novilho gordo,
porque o reencontrou são e salvo'.
28 Encolerizou-se ele e não
queria entrar, mas seu pai saiu e insistiu com ele.
29 Ele, então,
respondeu ao pai: 'Há tantos anos que te sirvo, sem jamais transgredir ordem
alguma tua, e nunca me deste um cabrito para festejar com os meus amigos.
30
E agora, que voltou este teu filho, que gastou os teus bens com as meretrizes,
logo lhe mandaste matar um novilho gordo!'
31 Explicou-lhe o pai:
'Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu.
32
Convinha, porém, fazermos festa, pois este teu irmão estava morto, e reviveu;
tinha se perdido, e foi achado'".
- Palavra da Salvação.
COMENTÁRIO
O Evangelho de Lucas prima pela sua ênfase na misericórdia
de Deus. Se fosse para classificar numa só palavra o rosto de Deus em Lucas,
poderíamos sem hesitação assinalar “misericórdia”. Talvez nenhum capítulo
saliente esta convicção tanto como o capítulo 15, que hoje lemos na sua
totalidade.
As três parábolas aqui relatadas são entre as mais
conhecidas da Bíblia - geralmente chamadas (com razão ou não) “A Ovelha
Perdida”, “A Moeda Perdida” e “O Filho Pródigo”. Talvez devamos ter um pouco de
cuidado com esses títulos - já consagrados pelo uso - pois já indicam uma
possível interpretação do ponto central de cada parábola - não necessariamente
a mais adequada!
De fato, cada parábola poderia ficar independente, e ter a
sua interpretação fora do contexto da sua colocação em Lucas. Mas para que
sejamos fiéis à intenção do evangelista, devemos interpretá-las dentro do seu
esquema teológico e literário. A Parábola da Ovelha também existe em Mateus,
mas dentro de um outro contexto e com outros destinatários, tornando-se a
parábola da “Ovelha Desgarrada”. Em Mt 18,12-14, a parábola é dirigida aos
discípulos, enquanto em Lc é contada para os fariseus e escribas. Como os
destinatários são diferentes, também a sua mensagem é diferente nos dois
contextos.
Para entender melhor o que Lucas quer ensinar, devemos dar
muita atenção aos primeiros dois versículos do capítulo 15. Pois, estes
versículos nos fornecem o motivo pelo qual Jesus contou as parábolas, e, por
conseguinte, uma chave valiosa de interpretação. Funcionam como um gancho sobre
o qual se pendura o resto do capítulo: “Todos os cobradores de impostos e
pecadores se aproximavam de Jesus para escutá-lo. Mas, os fariseus e os
doutores da Lei criticavam a Jesus, dizendo: “Esse homem acolhe pecadores, e
come com eles!” (vv.1-2). Depois, vem a chave de interpretação: “Então Jesus
contou lhes esta parábola” (v . 3). Ou seja, Jesus contou estas parábolas
porque os fariseus e doutores da Lei o criticavam por associar-se com gente de
má fama! Então a chave de interpretação é a atitude dos fariseus e doutores,
contestada pelo ensinamento de Jesus.
Neste sentido podemos interpretar a parábola conhecida como
a parábola da “Ovelha Perdida”. Jesus, diante da intransigência dos fariseus,
pergunta: “Se um de vocês tem cem ovelhas e perde uma, será que não deixa as
noventa e nove no campo para ir atrás da ovelha que se perdeu, até
encontrá-la?” (v. 4). A resposta razoável é “não” - nenhum pastor, com a cabeça
no lugar, deixaria noventa e nove ovelhas à deriva para tentar encontrar uma
ovelha perdida. Seria loucura! Mas, exatamente aqui está o sentido da parábola
- Deus faz loucuras por amor a nós! Ele é capaz de fazer o que nenhuma pessoa
humana faria - ir atrás da ovelha perdida, custe o que custar, até achar e
trazer de volta! Aqui a parábola funciona não por comparação, mas por contraste
- Deus é o oposto dos homens, que só agem através de decisões calculistas. Faz
loucura - e a loucura do amor consegue o que a razão jamais conseguiria, a
volta da ovelha perdida! Assim, se faz contraste entre a atitude de Deus e a
atitude dos fariseus e doutores da Lei! Nos questiona sobre as nossas atitudes
diante das “ovelhas perdidas” das nossas comunidades e famílias! Agimos como os
fariseus, com censuras e moralismos? Ou, como Deus, com a loucura do amor?
Retoma-se a mensagem na segunda parábola - a parábola da
“moeda perdida”. Não que ela fosse de tão grande valor. Mas para a pobre, até
uma moeda pequena faz falta! Então, a mulher faz questão de virar a casa (as
casas não tinham janelas, por isso precisava acender uma lâmpada) até achá-la.
É assim com Deus - talvez a gente ache que uma pessoa não tenha grande valor,
mas para Deus faz falta, e Ele é capaz de “exagerar” para recuperar a pessoa
perdida, por tão insignificante que possa parecer. Mais uma vez, um contraste
com a atitude elitista dos fariseus - e quem sabe, de muitos cristãos hoje!
Por fim, chegamos à parábola do “Filho Pródigo”, ou do “Pai
que perdoa”, ou dos “Dois Irmãos”, conforme a interpretação e o gosto de cada
um! Fiquemos somente com o texto sagrado e não com os subtítulos! Podemos ler
este texto a partir do filho perdido, ou do pai, ou do irmão mais velho. O
título tradicional implica uma leitura a partir do “pródigo” (= esbanjador).
Assim, ressaltaria o processo de conversão - sentir a situação perdida, decidir
a pedir reconciliação, ser aceito pelo pai, reativar os relacionamentos
perdidos e estragados. Sem dúvida, uma leitura válida do texto como tal - mas
diante dos primeiros três versículos do capítulo, não a interpretação primária
que Lucas queria dar.
Outra possibilidade é de ler a história a partir do pai.
Sem dúvida, também válido. Assim, o pai representa o próprio Deus, que em
primeiro lugar, respeita a liberdade de decisão do filho, não impedindo que ele
seja “sujeito” da sua vida; depois não espera a volta do “pródigo”, mas corre
ao seu encontro, numa atitude não “digna” de um patriarca oriental idoso,
preocupado mais com a reconciliação do que com o prejuízo, e que se alegra com
a volta de quem estava morto! Mais uma vez, uma leitura mais do que aceitável!
Mas, o contexto do capítulo quinze, à luz dos primeiros
versículos, sugere uma leitura diferente - a partir do irmão mais velho. Pois,
Jesus conta a parábola para contestar a atitude dos fariseus e doutores da Lei,
que o reprovam porque Ele acolhe os pecadores! Então, o filho mais velho é
imagem dos fariseus - “gente boa”, fiel na observância da Lei, mas cujos
corações estão fechados, a ponto de serem incapazes de alegrar-se com a volta
de um irmão perdido. Assim, embora observem minuciosamente todas as prescrições
da Lei, a sua atitude contradiz claramente a atitude de Deus! No fundo a questão é, em que Deus
acreditamos – um Deus que age com critérios humanos, não buscando nem acolhendo
pecadores, ou o Deus de Jesus, “enlouquecido” pelo amor que faz “loucuras” para
que ninguém se perca! Aqui temos
ecos de Is 55, 10-11, onde Deus afirma: “os meus caminhos não são os caminhos
de vocês e os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês”.
Aqui, Jesus questiona todos nós que somos “praticantes”.
Somos capazes de reconhecer a nossa própria fraqueza e miséria espiritual, como
fez o “pródigo”? Somos capazes de correr ao encontro de um irmão perdido, como
fez o pai? Ou somos como o irmão mais velho - “gente boa”, gente de
“observância”, mas gente incapaz de ter um coração de misericórdia, de
alegrar-nos com a volta ao estado original do irmão ou irmã perdido/a?
Podemos até dizer que o capítulo quinze de Lucas é o
coração do seu Evangelho. Pois Deus, o Deus de Jesus e o Deus de Lucas, é o
Deus que não se alegra com a perda de quem quer que seja, mas com a volta do
pecador. É o Deus que se encarnou em Jesus de Nazaré, para salvar quem estivesse
perdido. É o Deus de misericórdia e do perdão. Como traduzimos esta visão de
Deus em nossas vidas?
Salmo - Sl 115
(116),12-13.17-18
R.
Oferto ao Senhor um sacrifício de louvor
12Que poderei retribuir ao
Senhor Deus*
por
tudo aquilo que ele fez em meu favor?
13Elevo o cálice da minha
salvação,*
invocando
o nome santo do Senhor.R.
R.
Oferto ao Senhor um sacrifício de louvor
17Por isso oferto um sacrifício
de louvor,*
invocando
o nome santo do Senhor.
18Vou cumprir minhas promessas
ao Senhor*
na
presença de seu povo reunido.R.
R.
Oferto ao Senhor um sacrifício de louvor
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