Refletindo o Evangelho do Domingo
Pe. Thomaz Hughes, SVD
ASSUNÇÃO DE MARIA - Ano C
Lucas 1,39-56
“Você é bendita entre as
mulheres”
Oração do dia
Deus eterno e
todo-poderoso, que elevastes à glória do céu, em corpo e alma, a imaculada
virgem Maria, mãe do vosso filho, dai-nos viver atentos às coisas do alto, a
fim de participarmos da sua glória. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho,
na unidade do Espírito Santo.
EVANGELHO (Lucas 1,39-56)
Proclamação do Evangelho de
Jesus Cristo segundo Lucas. 1,39
Naqueles dias, Maria se levantou e foi às pressas às montanhas, a uma cidade de
Judá.
40 Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.
41
Ora, apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança estremeceu no seu seio;
e Isabel ficou cheia do Espírito Santo.
42 E exclamou em alta voz:
"Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre.
43
Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de meu Senhor?
44 Pois
assim que a voz de tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu
de alegria no meu seio.
45 Bem-aventurada és tu que creste, pois se
hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas!"
46
E Maria disse: "Minha alma glorifica ao Senhor,
47 meu espírito
exulta de alegria em Deus, meu Salvador,
48 porque olhou para sua
pobre serva. Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as
gerações,
49 porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso
e cujo nome é Santo.
50 Sua misericórdia se estende, de geração em
geração, sobre os que o temem.
51 Manifestou o poder do seu braço:
desconcertou os corações dos soberbos.
52 Derrubou do trono os
poderosos e exaltou os humildes.
53 Saciou de bens os indigentes e
despediu de mãos vazias os ricos.
54 Acolheu a Israel, seu servo,
lembrado da sua misericórdia,
55 conforme prometera a nossos pais,
em favor de Abraão e sua posteridade, para sempre.
56 Maria ficou
com Isabel cerca de três meses. Depois voltou para casa".
- Palavra da
Salvação
COMENTÁRIO
O evangelho
da festa de hoje tem duas partes bem distintas, o encontro entre Maria (grávida
de Jesus) e Isabel (grávida de João); e, o Canto do Magnificat.
Para
entender o objetivo de Lucas em relatar os eventos ligados à concepção e
nascimento de Jesus, é essencial conhecer algo da sua visão teológica. Para
ele, o importante é acentuar o grande contraste, e ao mesmo tempo a
continuidade, entre a Antiga e a Nova Aliança. A primeira está retratada nos
eventos ligados ao nascimento de João, e tem os seus representantes em Isabel,
Zacarias e João; a segunda está nos relatos do nascimento de Jesus, com as
figuras de Maria, José e Jesus. Para Lucas, a Antiga Aliança está esgotada - os
seus símbolos são Isabel, estéril e idosa, Zacarias, sacerdote que não acredita
no anúncio do anjo, e o nenê que será um profeta, figura típica do Antigo
Testamento. Em contraste, a Nova Aliança tem como símbolos a virgem jovem de
Nazaré que acredita e cujo filho será o próprio Filho de Deus. Mais adiante,
Lucas enfatiza este contraste nas figuras de Ana e Simeão, no Templo, (Lc 2,
25-38), especialmente quando Simeão reza: “Agora, Senhor, conforme a tua
promessa, podes deixar o teu servo partir em paz. Porque meus olhos viram a tua
salvação” (2, 29)
Por isso, não
devemos reduzir a história de hoje a um relato que pretende mostrar a caridade
de Maria em cuidar da sua parenta idosa e grávida. Se a finalidade de Lucas
fosse somente mostrar Maria como modelo de caridade, não teria colocado versículo
56, que mostra ela deixando Isabel antes do nascimento de João. Também não é
verossímil que uma moça judia de mais ou menos quatorze anos enfrentasse uma
viagem tão perigosa como a da Galiléia à Judéia! A intenção de Lucas é literária
e teológica. Ele coloca juntas as duas gestantes, para que ambas possam louvar
a Deus pela sua ação nas suas vidas, e para que fique claro que o filho de
Isabel é o precursor do filho de Maria. Por isso, Lucas tira Maria de cena
antes do nascimento de João, para que cada relato tenha somente as suas
personagens principais: de um lado, Isabel, Zacarias e João; do outro lado,
Maria, José e Jesus.
O fato que a
criança “se agitou” no ventre de Isabel faz recordar algo semelhante na história
de Rebeca, quando Esaú e Jacó “pulavam” no seu ventre, na tradução da
Septuaginta de Gn 25, 22. O contexto, especialmente versículo 43, salienta que
João reconhece que Jesus é o seu Senhor. Iluminada pelo Espírito Santo, Isabel
pode interpretar a “agitação” de João no seu ventre - é porque Maria está
carregando o Senhor.
As palavras
referentes a Maria: “Você é bendita entre as mulheres, e bendito é o fruto do
seu ventre” (v. 42) fazem lembrar mais duas mulheres que ajudaram na libertação
do seu povo, no Antigo Testamento: Jael (Jz 5, 24) e Judite (Jdt 13,18). Aqui
Isabel louva a Maria que traz no seu ventre o libertador definitivo do seu
povo.
Vale
destacar o motivo pelo qual Isabel chama Maria de “bem-aventurada” (v. 45): “Bem-aventurada
aquela que acreditou”. Maria é bendita em primeiro lugar, não por sua
maternidade, mas pela fé - em contraste com Zacarias, que não acreditou. Assim,
Lucas apresenta Maria principalmente como modelo de fé. Já no relato da Anunciação,
Maria expressou essa fé quando disse “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (v.
38). Assim, ela aceita não somente ser a mãe do Senhor mas a protagonista da
construção de uma sociedade de solidariedade e justiça, tão almejada por Deus.
Por isso, Lucas faz uma releitura do Canto de Ana (1Sm 2, 1-10) e coloca nos lábios
de Maria o canto do Magnificat, em sintonia com a espiritualidade secular dos
Pobres de Javé, que, desprovidos de qualquer poder, põem a sua esperança em
Deus, que “dispersa os soberbos de coração, derruba do trono os poderosos e
eleva os humildes; aos famintos enche de bens, e despede os ricos de mãos
vazias” (vv. 51-53). Longe de ser uma figura passiva, a Maria deste capítulo é
modelo para todos que assumem a luta em favor de uma sociedade alternativa, de
partilha, solidariedade e fraternidade.
Podemos também
acrescentar que neste capítulo primeiro nós encontramos - na Bíblia - as frases
da primeira parte da oração da “Ave Maria”: “Ave Maria” (Lc 1, 28), “Cheia de
graça” (Lc 1, 28), “O Senhor é convosco”(Lc 1, 28), “Bendita sois vós entre as
mulheres” (Lc 1, 42), “Bendito o fruto do vosso ventre” (Lc 1, 42), que
demonstra que, quando tratada com fundamento bíblico, a figura de Maria não é
empecilho para uma caminhada ecumênica, pois a Escritura a aponta como modelo
de fé para todos nós!
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