Refletindo o Evangelho do Domingo
Pe. Thomaz Hughes, SVD
VIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO COMUM - Ano C
Lucas 13,22-31
“É verdade que são poucos
os que se salvam?”
Oração
do dia
Ó Deus,
que unis os corações dos vossos fiéis num só desejo, dai ao vosso povo amar o
que ordenais e esperar o que prometeis, para que, na instabilidade deste mundo,
fixemos os nossos corações onde se encontram as verdadeiras alegrias. Por Nosso
Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
EVANGELHO
(Lucas 13,22-30)
Proclamação
do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas - 13,22 Sempre em caminho para Jerusalém, Jesus ia
atravessando cidades e aldeias e nelas ensinava.
23 Alguém lhe
perguntou: "Senhor, são poucos os homens que se salvam?" Ele
respondeu:
24 "Procurai entrar pela porta estreita; porque,
digo-vos, muitos procurarão entrar e não o conseguirão.
25 Quando o
pai de família tiver entrado e fechado a porta, e vós, de fora, começardes a
bater à porta, dizendo: 'Senhor, Senhor, abre-nos', ele responderá: 'Digo-vos
que não sei de onde sois'.
26 Direis então: 'Comemos e bebemos
contigo e tu ensinaste em nossas praças'.
27 Ele, porém, vos dirá:
'Não sei de onde sois; apartai-vos de mim todos vós que sois malfeitores'.
28
Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaac, Jacó e todos
os profetas no Reino de Deus, e vós serdes lançados para fora.
29
Virão do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e sentar-se-ão à mesa no
Reino de Deus.
30 Há últimos que serão os primeiros, e há primeiros
que serão os últimos".
- Palavra da Salvação.
COMENTÁRIO
Jesus
continua a sua caminhada em direção à Jerusalém, e no caminho, prossegue
ensinando os seus discípulos. O debate agora é sobre uma questão que sempre
intrigava os cristãos - e também os de outras crenças: “É verdade que são
poucos aqueles que se salvam?” (v. 23).
Durante muito tempo, o assunto de muitas pregações nas igrejas era a condenação. Falava-se muito mais em pecado do que na graça, no diabo do que em Jesus, do inferno do que no céu ou no projeto de Jesus para este mundo. Infelizmente, especialmente nos ambientes fundamentalistas, tanto católicos como protestantes, essa tendência volta a vigorar. É só assistir certos programas de TV e rádio! Neste trecho Jesus nos ensina como enfrentar esta questão!
Durante muito tempo, o assunto de muitas pregações nas igrejas era a condenação. Falava-se muito mais em pecado do que na graça, no diabo do que em Jesus, do inferno do que no céu ou no projeto de Jesus para este mundo. Infelizmente, especialmente nos ambientes fundamentalistas, tanto católicos como protestantes, essa tendência volta a vigorar. É só assistir certos programas de TV e rádio! Neste trecho Jesus nos ensina como enfrentar esta questão!
Chama a atenção
que Jesus não responde à pergunta. Ele não indica se são muitos os que se
salvam, ou não. A preocupação d’Ele é que as pessoas vivam de acordo com o
projeto de Deus. Nisso encontrarão a salvação. Por isso, ele desvia a atenção
do ouvinte da questão do “além morte” para que volte à vivência prática da fé.
O conselho d’Ele é claro: “Façam todo o esforço possível para entrar pela porta
estreita” (v. 24). Resta perguntar - em que consiste esta “porta estreita?” O texto nos dá a resposta: “Ele responderá: “Não sei de onde
são vocês. Afastem-se de mim todos vocês que praticam a injustiça” (v. 27)
Interessante
que Deus afastará os que praticam a injustiça - não fala daqueles que têm
fraquezas humanas, que têm uma fé diferente, que ignoram as verdades da
teologia - ou seja, se preocupa com a prática da injustiça. Pois o seguimento
de Jesus é basicamente isso, o amor prático, que se manifesta na justiça. Sem
esta prática, simplesmente a fé é vã! A “porta estreita” é a prática da justiça!
Jesus
adverte que talvez não sejam os que conhecem a sua mensagem que irão herdar o
Reino. Pois o critério do julgamento não será o conhecimento teórico do
evangelho, mas a sua vivência concreta na justiça, conforme ele diz: “Muita
gente virá do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa
no Reino de Deus” (v. 29)
Diante do fechamento do judaísmo farisaico,
com a sua religião nacionalista, Jesus abre perspectivas ecumênicas - a salvação
não se restringe aos que faziam parte oficialmente do Povo de Deus! Virão
pessoas do mundo todo - as pessoas que, mesmo sem conhecer a Bíblia - viviam a
luta pela justiça!
É impossível, no nosso mundo de exclusão,
fugir da questão da justiça. A Conferência de Santo Domingo, seguindo as de
Medellin e Puebla, já perguntou como era possível que as piores injustiças do
mundo se dão exatamente no continente nosso, que se diz cristão! A Conferência
de Aparecida continuou com essa preocupação. Como é possível que nos países
oficialmente católicos há tantos rostos do Cristo crucificado? Não é possível
ser cristão sem lutar em favor das pessoas com “rostos desfigurados pela fome,
rostos desiludidos pelas promessas políticas, rostos humilhados de quem vê
desprezada a própria cultura, rostos assustados pela violência cotidiana e
indiscriminada, rostos angustiados de menores, rostos de mulheres ofendidas e
humilhadas, rostos cansados de migrantes sem um digno acolhimento, rostos de
idosos sem as mínimas condições para uma vida digna” (João Paulo II, Vita Consecrata nº 76).
Não devemos
medir o nosso cristianismo e a pujança da nossa fé pelos belos edifícios e
imponentes matrizes, nem pelas belas celebrações e concentrações nas grandes
ocasiões, por tão válidas e até importantes que possam ser. Meçamos a nossa fé,
a nossa adesão ao Reino pelo nosso empenho em prol dos empobrecidos, pelos
injustiçados, não nos limitando a uma ação meramente assistencialista (por tão
imprescindível que tais ações sejam), mas também nos engajando na luta pela
mudança estrutural de uma sociedade cujo projeto de vida - o neo-liberalismo
selvagem - nada mais é do que um projeto de morte, e portanto anti-evangélico e
pecaminoso.
É mister
unirmos as nossas forças às das pessoas de boa vontade de todas as crenças e de
nenhuma, para que em parceria defendamos a vida ameaçada na sociedade moderna.
Aprendamos de Jesus neste trecho - ele não permite que os seus interlocutores
fiquem olhando somente para o que acontecerá depois da morte, lá no além, mas
insiste que olhem para a vida cotidiana, com as suas exigências em favor dos
oprimidos. O grande teólogo
dominicano sul-africano, Albert Nolan, tocou nessa questão quando escreveu no
seu livro “Jesus Antes do Cristianismo”: “De um modo geral, quer nos
denominemos cristãos, quer não, não costumamos tomar Jesus a sério. Existem notáveis exceções, mas,
habitualmente, nós não amamos os nossos inimigos, não damos a outra face, não
perdoamos setenta vezes sete, não abençoamos quem nos insultam, não partilhamos
aquilo que temos com os pobres nem colocamos toda a nossa esperança em Deus”....“Jesus
tem sido mais frequentemente honrado e venerado por aquilo que ele não
significou, do que por aquilo que ele realmente significou. A suprema ironia é que algumas das
coisas, às quais ele mais fortemente se opôs na sua época, foram ressuscitadas,
pregadas e difundidas mais amplamente através do mundo – em seu nome.”(Nolan –
Jesus antes do Cristianismo p. 15)
Ressoa uma advertência para nós que
somos frequentadores das Igrejas, que conhecemos os ensinamentos do Evangelho,
e que talvez caiamos na tentação de um certo elitismo religioso: “Vejam: há últimos
que serão primeiros, e primeiros que serão últimos” (v. 30). Ser primeiro ou último,
acolhido ou afastado, depende em primeiro lugar do nosso empenho pela justiça!
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